Áudio de ministro da Educação pode configurar crime? Dois criminalistas avaliam

Gravação divulgada pela 'Folha' mostra Milton Ribeiro dizendo que, a pedido de Bolsonaro, repassa verbas a municípios indicados por pastores. Especiaistas veem possível prevaricação e corrupção. Ministro da Educação diz em áudio que prioriza amigos de pastor a pedido de Bolsonaro

O áudio em que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, diz atender a um pedido do presidente Jair Bolsonaro para repassar verbas do ministério a municípios indicados por pastores (ouça acima) pode ter repercussões criminais para os envolvidos, a depender do resultado de uma eventual investigação.

O g1 ouviu dois criminalistas sobre o conteúdo da gravação, divulgada inicialmente pelo jornal "Folha de S. Paulo". Na última semana, o jornal "O Estado de S. Paulo" já havia apontado a existência de um "gabinete paralelo" de pastores com controle sobre verbas e agenda do Ministério da Educação.

Em nota nesta terça, Milton Ribeiro negou que Bolsonaro tenha pedido essa atenção aos pedidos dos pastores, e negou que os líderes religiosos influenciem o MEC. Segundo os criminalistas, uma eventual confirmação dessas condutas poderia resultar em acusações por crimes como prevaricação e corrupção.

As investigações teriam a função de identificar se, de fato, o ministro favoreceu pastores ou prefeituras indicadas por eles, e se Ribeiro ou algum servidor da pasta recebeu vantagem indevida ou agiu em benefício próprio, por exemplo.

"Enquanto não tiver notícia de ganho econômico pelo ministro, tudo indica que tinha interesse político, de se cacifar politicamente. É o mais adequado pela história, até agora”, avalia o advogado criminalista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino.

Com base no que já foi divulgado, o criminalista Rodrigo Barbosa afirma que é possível apontar uma "extrapolação" da conduta de Milton Ribeiro. O especialista ressalta, no entanto, que é preciso comprovar esses elementos com uma investigação formal.

"Apesar de não ter conhecimento direto da causa, apenas analisando baseado no que notificado pelos meios de comunicação, fica claro que o comportamento do ministro, se confirmado, extrapola os limites permitidos para a sua atuação que, apesar de ser de natureza política, está atrelada aos limites da administração pública”, declara o advogado.

Em áudio, ministro da Educação diz que Bolsonaro pediu para priorizar liberação de verbas para amigos de pastor

Ainda não há inquérito aberto sobre o caso – apenas pedidos de parlamentares para que haja abertura de apuração. Para investigar ministros de Estado e o presidente Jair Bolsonaro, a Procuradoria-Geral da República precisa de autorização do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os criminalistas ouvidos pelo g1 veem, no que já foi divulgado pela imprensa, elementos de quatro possíveis crimes:

improbidade administrativa – o ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração Pública, cometido por agente público, durante o exercício de função pública.

prevaricação – praticar um ato contra disposição expressa de lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

corrupção passiva – funcionário público que solicita ou recebe vantagem ou promessa de vantagem em troca de algum tipo de favor ou benefício ao particular.

corrupção privilegiada – se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração do dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem.

Quem é Milton Ribeiro?

O que dizem os criminalistas

O criminalista Davi Tangerino acredita que, até o momento, os indícios levam à suspeita de prevaricação por parte de Milton Ribeiro. Significa dizer que o ministro teria contrariado a lei para conseguir vantagem pessoal.

O advogado cita outros dois crimes possíveis, a depender das investigações.

“Houve o emprego de verbas discricionárias [não vinculadas] atendendo a gestão de pessoas ou por critérios estranhos aos critérios de probidade, eficiência da administração pública. Se houve interesse econômico, nós temos o crime de corrupção, percepção de vantagem”, explica.

Ele também cita a corrupção privilegiada. “Nesse caso, a gente em tese precisaria de um superior. No caso do ministro, cedendo a pedido do presidente da República”, afirma. A confirmação de qualquer uma dessas teses, no entanto, só será possível depois de eventual investigação.

O criminalista Rodrigo Barbosa também cita algumas possibilidades, entre elas, a prevaricação – mas defende que “uma investigação séria, profunda e independente é importante nesse momento”.

"Há indícios de prevaricação, que seria, no caso, a prática do ato para satisfazer sentimento pessoal, o que poderia ser caracterizado pela proximidade do ministro, também pastor, com lideranças religiosas e seus sentimentos pessoais quanto a eles e suas funções", avalia.

Segundo ele, também pode haver indícios de improbidade administrativa, "o que poderia levar à perda da função pública, suspensão de direitos políticos, além de medidas civis e penais”.

O especialista destaca que esse tipo de aliança com entidades religiosas "é expressamente vedado, inclusive, pela Constituição”.

“É importante uma investigação, não apenas para confirmar o ocorrido, mas também para apurar todos os detalhes, pois, se o ministro estava recebendo qualquer tipo de vantagem, ainda que não seja dinheiro, deixaria de ser prevaricação e passaria a ser corrupção passiva”, acrescenta.