Por que o Papa pediu perdão a indígenas após a descoberta de corpos de milhares de crianças desaparecidas no Canadá

Por que o Papa pediu perdão a indígenas após a descoberta de corpos de milhares de crianças desaparecidas no Canadá
Essa foi a primeira vez que o líder da Igreja Católica reconheceu a culpa da instituição pelos maus tratos. No ano passado, restos mortais de crianças foram encontrados em internatos desativados. VÍDEO: A aterrorizante descoberta dos restos mortais crianças indígenas no Canadá

O Papa Francisco pediu "desculpas" nesta sexta-feira (1º) pela tragédia da violência exercida durante décadas em internatos católicos para indígenas no Canadá e expressou o desejo de viajar ao país no fim de julho.

"Peço perdão a Deus e me uno aos meus irmãos bispos canadenses para pedir desculpas", declarou Francisco em uma audiência no Vaticano. Ele convidou representantes dos povos originários canadenses métis e inuítes para uma audiência na sede da Igreja Católica.

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O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, considerou o pedido de desculpas do Papa Francisco um "passo à frente", mas afirmou que ainda há um longo caminho a percorrer para corrigir os "erros históricos" da Igreja.

Havia cerca de 130 internatos para crianças indígenas no Canadá. Na foto, a fachada da Kamloops

Reuters

"O pedido de desculpas de hoje é um passo adiante no reconhecimento da verdade sobre nosso passado para corrigir erros históricos, mas ainda há trabalho a ser feito", declarou Trudeau.

"Esperamos que ele venha ao Canadá para se desculpar pessoalmente", afirmou o premiê.

"A história do Canadá ficará para sempre manchada pela trágica realidade do sistema de internatos", disse Trudeau em um comunicado, observando que os ex-alunos, suas famílias e comunidades continuam sentindo seu impacto.

"Não podemos separar o legado do sistema de internatos das instituições que o criaram, mantiveram e operaram, incluindo o governo do Canadá e a Igreja Católica", frisou.

"Como país, nunca devemos esquecer as tragédias impensáveis que ocorreram, e devemos honrar as crianças que desapareceram e nunca voltaram para casa", completou

Imagem de 30 de maio de 2021 mostra sapatos se alinham ao longo da centenária chama do Parlamento, no Canadá, em memória das 215 crianças cujos restos mortais foram encontrados no terreno de um antigo internato para indígenas em Kamloops, na Colúmbia Britânica

Justin Tang/The Canadian Press via AP

'Palavras necessárias'

Integradas por 32 representantes dos povos autóctones e bispos canadenses, as delegações relataram ao Papa os depoimentos dos sobreviventes.

Com a visita, apresentada como "histórica", eles esperavam obter um pedido de desculpa de Francisco pela tragédia dos internatos administrados pelas igrejas católica e anglicana.

Pelas vozes dos indígenas, "recebi, com grande tristeza no coração, os relatos de sofrimentos, privações, tratamentos discriminatórios e diversas formas de abusos sofridos por vários de vocês, especialmente nos internatos", declarou o pontífice, de 85 anos.

O Papa também expressou o desejo de viajar ao Canadá no fim de julho para transmitir sua "proximidade" com os povos indígenas.

"Gostaria de estar com vocês este ano para a celebração de Santa Ana em 26 de julho", declarou.

"As palavras do papa eram necessárias, e agradeço-lhe profundamente. Agora, espero que venha ao Canadá para que possa apresentar suas sinceras desculpas diretamente aos nossos sobreviventes e suas famílias", declarou a presidente do Conselho Nacional de Métis, Cassidy Caron, após a reunião.

'Colonização ideológica'

A descoberta de centenas de túmulos de crianças sem identificação nos últimos meses abalou o Canadá, e muitos sobreviventes esperavam um gesto contundente do papa. A Igreja Católica do Canadá apresentou um pedido formal de desculpas aos povos indígenas em setembro passado.

Entre o fim do século XIX e a década de 1980, quase 150.000 crianças indígenas, métis e esquimós foram recrutadas à força em 139 internatos no Canadá. Os menores foram afastados de suas famílias, de sua língua e de sua cultura.

Milhares de crianças morreram

As autoridades calculam que o número de crianças mortas oscile entre 4.000 e 6.000, a maioria de desnutrição, doenças, ou negligência, no que o Comitê para a Verdade e a Reconciliação chamou de "genocídio cultural", de acordo com um relatório de 2015. Outros sofreram abusos físicos, ou sexuais.

No último ano, foram encontradas mais de 1.300 sepulturas sem identificação nos antigos internatos, e as buscas prosseguem em todo país.

As delegações canadenses esperavam discutir com o papa argentino, que transformou a defesa das minorias em uma das prioridades de seu pontificado, o "impacto do colonialismo" nos povos indígenas.

Foto de um dos internatos para crianças indígenas no Canadá

Biblioteca de Arquivos do Canadá

Neste sentido, Francisco destacou, nesta sexta, o "drama do desenraizamento", denunciando que "a corrente que transmitia os conhecimentos e as formas de vida, em harmonia com o território, foi rompida com a colonização".

A colonização "arrancou muitos de vocês de seu entorno vital e tentou formá-los em outra mentalidade", destacou, antes de criticar a "colonização ideológica" e a "ação de assimilação", da qual tantas "crianças foram vítimas".

"Sua identidade e sua cultura foram feridas, muitas famílias foram separadas", lamentou Francisco.