O quebra-cabeças das rotas de exportação para a agricultura ucraniana

O quebra-cabeças das rotas de exportação para a agricultura ucraniana
Com infraestrutura bloqueada pela invasão russa, país planeja embarcar seus produtos agrícolas a partir do porto romeno de Constança, no Mar Negro. Containers na zona portuária do Rio de Janeiro

Marcos Serra Lima/G1

A Ucrânia planeja exportar seus produtos agrícolas a partir do porto romeno de Constança, no Mar Negro, já que sua própria infraestrutura está bloqueada pela invasão russa. É uma alternativa crucial tanto a nível econômico como para sua imagem de grande país exportador.

O Ministério da Agricultura ucraniano indicou esta semana que está negociando com o governo da Romênia para restabelecer o fornecimento de produtos agrícolas aos mercados tradicionalmente dependentes de suas exportações.

Antes da guerra, o país concentrava 12% das exportações mundiais de trigo, 15% de milho e 50% do óleo de girassol.

O governo romeno confirmou que o porto de Constança já recebe envios procedentes da Ucrânia e com destino a este país.

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Por que é urgente?

O Mar de Azov foi fechado para a navegação desde o começo da invasão, bloqueando os portos ucranianos de Berdyansk e Mariupol.

O de Odessa, no Mar Negro, que representa 60% da atividade portuária do país - com um tráfego de 90 milhões de toneladas ao ano -, está próximo do front de Mykolaiv, uma cidade regularmente bombardeada.

Os edifícios militares e a presença de minas tornam quase impossível a navegação nas águas em frente ao litoral da Ucrânia.

O site Marine Traffic ilustra o bloqueio de fato da região, reforçado pelo aumento dos prêmios de seguros depois que os navios de carga foram alvo de mísseis.

Segundo o Ministério da Agricultura, a Ucrânia está perdendo assim 1,5 bilhão de dólares por mês, enquanto uma "crise alimentar se desenvolve", ameaçando sobretudo os países do sul da bacia mediterrânea, muito dependentes das exportações de alimentos da ex-república soviética.

Kiev garante que possui reservas suficientes para suas próprias necessidades alimentares durante dois anos, tornando a manutenção de suas exportações um desafio igualmente simbólico.

"A Ucrânia quer demonstrar que está lutando em todos os níveis, e que tem consciência de sua utilidade", tanto a nível alimentar como a nível industrial, explica Paul Tourret, diretor do instituto francês Isemar, especializado em economia marítima.

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Quais são as possibilidades?

"Estamos buscando com nossos parceiros rotas logísticas alternativas para exportar nossos produtos a partir de portos europeus, incluído o de Constança", disse o ministro da Agricultura ucraniano, Mykola Solsky, em comunicado.

Kiev tenta aumentar as exportações de cereais por ferrovia a Polônia, Eslováquia e Romênia, e, em menor quantidade, com caminhões.

As companhias ferroviárias romenas e ucranianas estão em negociações para cooperar melhor, segundo Bucareste. O objetivo é exportar 600.000 toneladas por mês, o que continua sendo "marginal em relação à capacidade" dos portos ucranianos, segundo Gautier Le Molgat, analista da consultoria Agritel.

Para Tourret, Constança é a melhor opção. O fato de que a Romênia é integrante da Otan faz com que suas águas sejam seguras e o país, o segundo maior exportador de trigo da União Europeia (UE) depois da França, dispõe das infraestruturas adequadas.

Constança, o maior porto do Mar Negro, exportou mais de 67 milhões de toneladas de mercadorias em 2021, incluídos mais de 25 milhões de cereais, com uma capacidade total de 100 milhões de toneladas.

Além disso, o porto pode se permitir receber as reservas ucranianas porque, nesta época do ano, os cereais romenos já partiram para seus destinos.

Contudo, se a situação continuar até as próximas safras, a capacidade de armazenamento poderia chegar a seu limite.

"A Romênia também se beneficia. Moralmente", declarou o ministro romeno da Defesa, Vasile Dîncu.

O presidente da Câmara dos Deputados e o ministro dos Transportes da Romênia anunciaram investimentos para o porto no início da semana.

Como chegar a Constança?

O importante é fazer as mercadorias chegarem a Constança e, segundo Tourret, existem várias rotas possíveis.

A mais perigosa é fazer o trajeto em caminhão de Odessa, ao longo da costa, até o porto fluvial de Galati, sobre o rio Danúbio. Depois de navegar até o canal que conecta o rio com Constança, construído durante o regime comunista de Ceausescu, levaria um ou dois dias.

Uma segunda opção é passar pela Moldávia, evitando a Transnístria, que se separou em 1990 e onde Moscou tem uma base militar, o que representaria um desvio de centenas de quilômetros dependendo do ponto de partida.

A terceira opção, e a mais longa, é passar pela fronteira entre o oeste da Ucrânia, relativamente protegido do conflito, e o norte da Romênia. Esta rodovia já está sendo utilizada para abastecer a Ucrânia com artigos de primeira necessidade.

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