Despesas do governo com juros da dívida sobem e vão a R$ 500 bilhões pela 1ª vez desde 2016, diz BC
Resultado corresponde aos últimos 12 meses fechados em maio. Aumento é reflexo das altas do juro básico, do dólar e da inflação. As despesas do governo com juros da dívida pública subiram e atingiram R$ 500 bilhões nos últimos 12 meses encerrados em maio, de acordo com informações do Banco Central. É a primeira vez que chegam a esse patamar desde fevereiro de 2016 (R$ 513 bilhões). O recorde é de janeiro de 2016, quando as despesas com juros da dívida chegaram a R$ 540 bilhões. Naquele ano, o país enfrentava uma das crises financeiras mais intensas das últimas décadas. Os atuais R$ 500 bilhões representam 5,51% do PIB, porcentagem mais alta desde novembro de 2018 (5,52%). O pico, também na comparação com o PIB, foi em janeiro de 2016 (9% do PIB).A expectativa de economistas do mercado financeiro é que o custo da dívida pública registre um valor recorde no ano fechado de 2022.Gastos com juros da dívida pública chegam a R$ 448 bi em 2021O aumento das despesas com juros da dívida pública faz o governo ter mais compromissos financeiros com os quais arcar. Com isso, investidores ficam mais cautelosos na hora de comprar papéis públicos e cobram taxam mais altas — transformando a dinâmica da dívida em uma "bola de neve".Uma dívida pública muito alta tende a gerar dificuldades na atração de investimentos e na realização de despesas sociais. O gasto total com juros registrado em 12 meses até maio supera o orçamento federal conjunto de 2022 do Auxílio Brasil, das aplicações em saúde e em educação. Veja abaixo:Auxílio Brasil (R$ 89,1 bilhões)Aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde (R$ 139,9 bilhões)Manutenção e desenvolvimento do ensino (R$ 62,8 bilhões).Esses valores constam no orçamento aprovado deste ano.MotivosO aumento dos gastos com juros da dívida pública é uma consequência da alta da Selic, a taxa básica de juros da economia, que subiu 12 vezes desde março de 2021 (2% ao ano) para 13,75% ao ano em agosto deste ano. A alta da Selic encarece os juros em geral. Esse é o maior patamar da Selic em quase seis anos e também a maior taxa real (descontada a inflação) do mundo, de acordo com levantamento compilado pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management. A taxa brasileira é mais do dobro da taxa do 2º colocado.Em junho, o BC informou que, além de subir mais os juros, a taxa precisará permanecer alta por um período maior de tempoAs despesas com juros também cresceram por conta do forte aumento da inflação . Cerca de um terço da dívida é atrelada aos índices de preços. Outro fator é a disparada do dólar . A moeda norte-americana era cotada ao redor de R$ 4 em janeiro de 2020, antes da pandemia, e agora passa de R$ 5,26.O que dizem os analistasPara o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília, a taxa de juros pode ser diminuída, o que amenizariam também os juros da dívida. Ele argumenta que o Banco Central não precisava ter impulsionado a Selic para o atual patamar. Em março de 2021, a taxa estava em 2% ao ano. O BC elevou os juros básicos na tentativa de conter a inflação. No entanto, para Oreiro, a disparada da inflação decorre de motivos que a taxa de juros não consegue controlar, como choques nas cadeias produtivas, em razão da pandemia de Covid, e da guerra na Ucrânia, que gerou aumento de preços de combustíveis e alimentos. "Taxa de juros não resolve nenhum desses problemas", afirmou.O especialista defende que o BC comece a reduzir os juros, o que aliviar as despesas financeiras do governo e permitir gastos e investimentos produtivos, capazes dinamizar a economia. Os juros altos, na visão de Oreiro, beneficiam apenas uns poucos setores. "Quando aumenta a taxa de juros, chega a esse valor aí, R$ 500 bilhões [de despesas com juros da dívida]. Que vão parar no bolso de alguém, de quem tem aplicações em renda fixa, das tesourarias dos bancos, dos investidores com altas aplicações em bancos de investimentos", argumentou.Por outro lado, o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, afirmou que o aumento dos juros era necessário diante da escalada da inflação no mundo inteiro. Mas ele lembrou que, no caso do Brasil, outros fatores fizeram o BC ter de elevar os juros. Ele citou proposta defendidas pelo governo e aprovadas pelo Congresso que aumentaram os gastos públicos e geraram dúvidas sobre a responsabilidade fiscal do país, como a PEC dos Precatórios e a PEC Kamikaze."Uma parte é inevitável, tem um choque inflacionário global, todos os bancos centrais estão reagindo e o nosso também teve de reagir", afirmou."Mas tem outra parcela disso que decorre de uma piora na percepção [dos investidores] sobre o quadro fiscal, e isso gera pressão nos juros", concluiu o economista. Campos Neto avaliou que o próximo governo, independente de quem ganhe a eleição, precisará reverter o rombo nas contas públicas. O objetivo, defendeu, é mostrar ao mercado que a dívida brasileira é sustentável, o que permitirá a queda dos juros e a redução nas despesas financeiras.