Fechamento de clínica no Sudão do Sul coloca dezenas de mulheres em risco

Fechamento de clínica no Sudão do Sul coloca dezenas de mulheres em risco
ONU pretende fechar centro em dezembro devido à falta de financiamento de apoiadores. Medida preocupa principalmente porque país tem uma das maiores taxas de mortalidade materna do mundo. As gestantes sentam-se no chão enquanto esperam para fazer um check-up mensal na Clínica de Saúde Reprodutiva de Mingkaman, no estado dos Lagos, Sudão do Sul, 19 de outubro de 2022

AP Photo/Deng Machol

No Sudão do Sul, um país onde a taxa de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo, uma pequena clínica dedicada à saúde reprodutiva para mais de 200.000 pessoas está prestes a ser fechada. As mães preocupadas sabem muito bem o que pode acontecer a seguir.

“Se o hospital fechar, morreremos [ainda] mais porque somos pobres”, disse uma gestante que se identificou apenas como Chuti. Ela estava fazendo um check-up mensal na clínica de saúde reprodutiva em Mingkaman, cidade no rio Nilo Branco, que poderia ser o último.

As Nações Unidas disseram que pretendem encerrar as operações da clínica até dezembro devido à falta de financiamento de europeus e outros apoiadores. Esta é apenas uma vítima entre muitas nos países em desenvolvimento, pois os doadores humanitários afirmam ter ficado sobrecarregados por uma crise após a outra, da covid-19 à invasão russa da Ucrânia. A ONU não quis dizer quanto custa para administrar a clínica.

Uma perda como a clínica é de importância crítica para pessoas em lugares como Mingkaman, que, junto com o resto do Sudão do Sul, tem lutado para lidar com as consequências de uma guerra civil de cinco anos, choques climáticos, como inundações generalizadas, e insegurança persistente que inclui altos índices de violência sexual.

Enfermeiras atendem gestantes na Clínica de Saúde Reprodutiva Mingkaman, na vila de Mingkaman, condado de Awerial, no estado dos Lagos, Sudão do Sul, 19 de outubro de 2022

AP Photo/Deng Machol

A Comissão de Direitos Humanos da ONU no Sudão do Sul disse que a guerra na Ucrânia levou a um corte dramático no financiamento para cuidados médicos de emergência para pessoas que foram agredidas sexualmente. “Não é que a violência sexual muda constantemente, ela está acontecendo o tempo todo, em grande parte [de forma] invisível”, disse o comissário Barney Afako. A comissão também afirmou que o governo não investiu em serviços básicos como saúde.

Esta clínica de saúde reprodutiva na capital do condado de Awerial, no centro do Sudão do Sul, atende uma comunidade em grande parte de pessoas deslocadas pela guerra civil e pelas enchentes. É onde as mulheres que antes davam à luz em casa agora vão para dar ter seus filhos. É também onde as mulheres agredidas vão para atendimento.

Em 2019, a taxa de mortalidade materna no Sudão do Sul foi de 789 mortes por 100.000 nascidos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) — mais do que o dobro da taxa no vizinho Quênia, mais desenvolvido, de acordo com dados da ONU. Enquanto isso, a taxa dos Estados Unidos foi de 23 mortes por 100.000 nascidos vivos em 2020, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

Pelo menos 250 mulheres dão à luz na clínica de Mingkaman todos os meses, disse Teresa Achuei, gerente local da organização IMA World Health, que administra a instalação. Ela afirma que conhecia apenas três mulheres que morreram durante o parto na comunidade, todos realizados fora da clínica.

Agora, disse Achuei, centenas de mulheres podem estar em risco. “Nosso objetivo, nossa missão, é reduzir a taxa de mortalidade materna. Toda mulher deve dar à luz com segurança. Se a instalação fechar, haverá muitas mortes na comunidade”, disse a gerente em entrevista à Associated Press durante uma visita em meados de outubro.

A clínica foi fundada em 2014, um ano após o início da guerra civil no Sudão do Sul. Instalada em tendas como uma forma temporária de atender as pessoas deslocadas pelos combates, o estabelecimento permanece improvisado, mas funciona 24 horas por dia.

É um centro de atividades em Mingkaman, uma comunidade em uma das principais rodovias do Sudão do Sul, sem eletricidade confiável e água corrente. Os militares estão presentes para responder às explosões de violência. Muitas mulheres sustentam suas famílias coletando lenha na floresta próxima para vender ou trabalhar em modestos hotéis locais.

Várias delas expressaram preocupação com o fechamento da clínica.

“Vai ser pior para nós porque estava nos ajudando”, disse Akuany Bol, que deu à luz seus três filhos lá. Ela parecia descontente enquanto esperava que uma parteira examinasse seu filho.

Andrew Kuol, um oficial clínico, disse que a instalação atende uma média de 70 a 80 pacientes por dia. O centro costuma admitir 20 pacientes por dia, o dobro do número de leitos.

Como resultado, algumas mulheres precisam ser tratadas no chão.

Kuol disse que, por causa da diminuição do apoio dos doadores, a clínica enfrenta escassez de medicamentos, incluindo os que são utilizados no tratamento para a malária, coquetéis pós-estupro, medicamentos pré-natais, entre outros.

O hospital mais próximo fica na cidade de Bor, no estado vizinho de Jonglei, para onde são encaminhados os casos mais complicados da clínica. Chegar lá também é complicado. Sem ponte entre os estados, pode levar uma hora para um barco atravessar o Nilo.

Como em grande parte do Sudão do Sul, viajar é um desafio. E as circunstâncias atuais significam que poucas pessoas por lá podem se deslocar facilmente para obter cuidados de saúde ou qualquer outra coisa.

“Essas [pessoas deslocadas] não vão a lugar nenhum porque ainda há insegurança e também as inundações”, disse James Manyiel Agup, diretor de saúde do condado de Awerial, no estado de Lakes. Ele instou os parceiros da ONU a continuar apoiando a instalação para salvar vidas.

Mães grávidas esperam para ver um médico na Clínica de Saúde Reprodutiva Mingkaman, na vila de Mingkaman, condado de Awerial, no estado dos Lagos do Sudão do Sul, 19 de outubro de 2022

AP Photo/Deng Machol