CONHEÇA OS MITOS E LENDAS QUE NARRAM A RELAÇÃO DO POVO COM A NATUREZA NO AMAPÁ

"Cobra Sofia", "Pedra do Guindaste", "Rio Tarumã", "Matinta Perera" e "Manganês" são algumas das narrativas presentes no livro "Mitos e lendas do Amapá" de Joseli Dias.

Artistas dão vida às lendas do Amapá. (FOTO: Divulgação)

Artistas dão vida às lendas do Amapá. (FOTO: Divulgação)

MACAPÁ - Neste domingo (22), data em que é comemorado o Dia do Folclore, o G1 traz algumas das narrativas que permeiam a memoria e a ancestralidade do povo do Amapá. As lendas e mitos, assim como todos os fenômenos culturais, devem ser lembrados com muito respeito.

Lendas como a Cobra Sofia, Pedra do Guindaste, Rio Tarumã, Matinta perera e Manganês contam muito sobre o povo antigo e a relação com a natureza.

Essas e muitas outras histórias foram resgatadas no livro "Mitos e lendas do Amapá" escrito pelo jornalista Joseli Dias e publicado como memórias póstumas. Veja abaixo algumas narrativas:

Cobra Sofia

Em uma região próxima da Ilha de Santana viveu Icorã, a mulher indígena considerada a mais bonita de sua localidade. A beleza da jovem a aprisionava e a única coisa que alegrava a vida de Icorã era ir até a beira de um lago e conversar com a lua.

Em um desses passeios, ela foi visitada pelo boto Tucuxi, que se transformou em um cisne para se aproximar. Ele a possuiu através de um encantamento e a engravidou.

Ao perceber que foi enganada, Icorã foi viver na mata até o dia em que deu a luz a uma menina, a quem deu o nome de Sofia. Logo em seguida, ela tentou se livrar da filha a atirando no rio para que ninguém descobrisse o que aconteceu.

O boto se arrependeu do que fez a Icorã e tentou salvar a filha da morte, transformando-a em uma cobra d"água. Reza a lenda que a Cobra Sofia é a responsável pelos sulcos que formaram o Rio Matapi.

Os mais antigos acreditam que ela passou a habitar onde hoje fica localizado um porto e que a queda de parte da estrutura foi causada por ela.

Pedra do Guindaste

Quando a atual cidade de Macapá ainda era uma vila pequena, Iara ficou grávida e passou a se preocupar com o destino da filha. Enquanto a mãe d'água estava ocupada, a invejosa Boicorá fez subir as águas do rio Amazonas inundando a vila de São José de Macapá.

Tupã e Iara tentaram de todas as formas quebrar o encanto da cobra invejosa, mas não tiveram sucesso. Nesse meio tempo, a filha de Iara nasceu, mas ainda assim a mãe d'água continuou triste com as lamentações dos habitantes da vila.

Reza a lenda que Iara decidiu transformar a própria filha em cobra, que foi mandada para o rio Amazonas, onde passou a beber uma grande quantidade de água para baixar a maré.

A cobra se estabeleceu embaixo de uma pedra em frente a vila onde permanece até os dias de hoje sob o encanto de Iara. Anos depois, um escultor colocou acima da pedra uma imagem do padroeiro São José de Macapá.

Os mais velhos contam que se algum dia a pedra for retirada do rio Amazonas, as águas vão subir e inundar toda a cidade.

Lenda do Rio Tarumã

Às margens do Rio Calçoene nasceu Ubiraci, um menino que tinha o dom de falar com os animais e com as plantas. Um dia, Ubiraci conheceu a natureza e foi amor à primeira vista. No entanto, ele nunca mais voltou a ver a amada e passou a procurá-la, sem sucesso.

Apaixonado, ele se esqueceu de conversar com os animais e as arvores e perdeu o dom para sempre. Ele não entendia que a natureza estava em todos os lugares.

Uma bela noite, Ubiraci viu a lua refletida na água, achou que era onde a amada morava e resolveu segui-la contra a maré, mas morreu afogado no rio. Tupã viu a coragem e esforço e pediu à mãe natureza que transformasse o rapaz em uma árvore no meio da água.

Os irmãos de Ubiraci ficaram com medo da árvore misteriosa e a cortaram, deixando apenas o tronco, que passou a se mover no rio e por isso ficou conhecido como "Tarumã" (tronco que se move).

Reza a lenda que se você tiver um amor impossível, fizer uma promessa ao "tarumã" acompanhada de uma oferenda e o tronco navegar rio acima e retornar vazio, o pedido será realizado.

O Caçador de Matintas

Conta a lenda que a Matinta Perera é uma velha feiticeira que à noite se transforma em coruja e sai para atormentar os moradores.

Todo mundo tinha medo dela, menos Florêncio, que inconformado com as maldades que a ave agourenta trazia resolveu caçá-la. Ele pediu ajuda à mãe para descobrir a identidade da velha feiticeira e passou a ser conhecido como "O Caçador de Matinta".

Um conhecido disse a Florêncio que se alguém ouvisse a Matinta assobiar e oferecesse tabaco, no outro dia ela buscaria e assim ficaria fácil descobrir sua identidade.

Ao cair da noite, o caçador esperou o grito da ave e disse: "Matinta Perera, vai buscar tabaco lá em casa amanhã".

No dia seguinte por volta das 7h, Florêncio e todos os vizinhos avistaram a mulher se aproximar para reclamar o tabaco. Quando ela chegou na casa, Florêncio não acreditou no que viu: a Matinta Perera era a sua mãe.

A Lenda do Manganês

Há séculos atrás, dezenas de afrodescendentes escaparam da escravidão e aportaram em Serra do Navio. Eles formaram uma aldeia no Curiaú e outra no Rio Itauna, que hoje é um braço do Rio Araguari.

Certa noite, homens brancos invadiram uma das aldeias e passaram escravizar os moradores, mas Itauna, homem que lutava pela liberdade, rogou a deusa Taimã e pediu força para libertar seu povo.

Furioso, ele conseguiu quebrar os grilhões e atacou os inimigos dando início a uma luta entre os escravos e os senhores. Itauna caiu ferido e sangrou até morrer. Ele e os irmãos foram entregues às aves de rapina.

Sem escravos e cheios de fortuna os brancos saíram da beira do rio Itauna (nome em homenagem ao guerreiro). A lenda foi esquecida e o rio mudou de nome. Hoje se chama Amapari.

No local onde houve a luta, os homens encontraram nos anos 50 uma grande quantidade de pedra preta parecida com sangue coagulado.

Reza a lenda que a deusa Taimã coagulou o sangue do povo escravizado transformando-o no metal que hoje conhecemos como manganês.