CONHEÇA A HISTÓRIA DO CASTELO DOVERA DE SÃO JOSÉ DO RIBAMAR, NO MARANHÃO

Olga era filha do delegado da cidade de Grajaú, no Maranhão, e foi aluna de Latim de Luigi. Por causa de uma carta mal interpretada, o padre acabou sendo obrigado a casar, em 1954, com Olga Duarte.

CONHEÇA A HISTÓRIA DO CASTELO DOVERA DE SÃO JOSÉ DO RIBAMAR, NO MARANHÃO

SÃO LUÍS (MA) - No mês de outubro, São Luís recebeu o IX Encontro Internacional de História Antiga e Medieval do Maranhão, promovido pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O evento trouxe conferências locais e internacionais, buscando fortalecer os estudos antigos e medievais, analisando o passado para compreender o presente.

O encontro trouxe à tona uma questão, afinal, o que nossa atualidade tem a ver com o medievo? Olhando de forma breve, parece que estamos distantes desse período, mas há muitos elementos desse período histórico ainda presente no nosso dia a dia, como explica a professora Adriana Zierer, do departamento de História da UEMA, que também foi coordenadora do Encontro de História Antiga e Medieval.

"A literatura de cordel, que é muito difundida no Nordeste do Brasil, ela bebe na literatura que se desenvolveu no período medieval, que era uma literatura recitada, que se usavam instrumentos musicais, a improvisação, a rima. Essa literatura trovadoresca e lírica desenvolveu a ideia do amor cortês, e no amor cortês um homem vai cortejar uma mulher e, muitas vezes, esse homem vai ficar amanado platonicamente essa mulher. Então, a ideia do amor que nós temos está muito relacionada com a ideia do amor cortês. E dentro dessa ideia, temos o outro amor, o amor romântico que, também surgiu no período medieval. É a ideia do príncipe encantado, que nós mulheres até hoje temos. Que nós vamos encontrar um homem maravilhoso, um príncipe. E de onde vem isso? Da Idade Média", explica Adriana Zierer.

E uma prova da presença do medieval no Maranhão, que remete ao amor romântico, é o Castelo Dovera, calma, o castelo não é uma construção da Idade Média, mas foi construído em estilo medieval e até hoje encanta moradores e turistas na grande Ilha de São Luís.

O castelo foi construído a pedido de Gabriella Dovera, filha caçula de Cherubino Luigi Dovera, um ex-padre italiano, que se casou com uma maranhense da cidade de Grajaú e fez morada em São Luís, onde criou seis filhos e deixou marcas de seu talento de desenhista, pintor e escultor em várias partes do Maranhão, principalmente na capital.

O Castelo Dovera, como é conhecido, é o fruto e símbolo de uma história de amor incomum, que tem suas origens na Europa na época da Segunda Guerra Mundial.

Da Itália para o Brasil: a vinda de Dovera para o Maranhão

Nascido em 24 de setembro de 1917 em Milão, na Itália, Luigi Dovera iniciou a vida estudiosa dentro da igreja católica e, além de se tornar padre, ele se formou em Filosofia, Teologia, Arquitetura e Escultura.

"Na Itália, principalmente na época da Segunda Guerra Mundial, para ter acesso ao estudo, você tinha que estar dentro de uma instituição que tinha pessoas estudiosas e nessa época era a Igreja Católica. A família sempre foi voltada a essa denominação religiosa e ele, desde criança, iniciou os estudos na Igreja Católica, onde teve cinco formações, entre elas Filosofia, Teologia e, inclusive a de padre", conta Tathiana Dovera, neta de Luigi.

A forte presença do catolicismo na vida Luigi Dovera, que contribuiu para que ele fosse um homem estudado e voltado para o campo das artes, também são características herdadas da Idade Média.

"Os dogmas do cristianismo se firmaram no período medieval e eles influenciam a nossa sociedade até hoje, visto que as religiões cristãs, católica e protestante, são predominantes até hoje e têm um papel importante na sociedade. E mesmo as religiões de matrizes africanas, muitas vezes, para poderem se manter, para poderem sobreviver, fizeram o sincretismo com a religião católica, com os santos associados a divindades africanas", destaca a professora da UEMA.

A família Dovera relata que o senhor Luigi teve uma importância histórica durante a Segunda Guerra Mundial, pois, exerceu a função de capelão de guerra, servindo na época do ditador Benito Mussolini, que foi o líder do fascismo italiano, governando o país entre os anos de 1922 e 1943. Em 28 de abril de 1945 Mussolini foi morto, quando tentava fugir da Itália, sendo executado por resistentes antifascistas no norte do país e teve o corpo exibido em praça pública. Nesse período, Dovera, como capelão de guerra, ficou na responsabilidade de proteger o corpo de Mussolini.

"A responsabilidade dele como capelão, era de proteger os corpos, fazer o devido enterro, fazer a parte cerimonial, dar extrema unção para quem tivesse nesse processo. E ali ele fez a parte dele quanto ao corpo de Mussolini, porque existia a questão de violação do corpo e ele tinha que proteger, não pela serventia a Mussolini, mas pela serventia à religião. Ele teve essa parte na história", explica Tathiana Dovera.

No fim da guerra, com a Itália e os outros países envolvidos diretamente no conflito destruídos, houve um intenso processo de migração. Nessa época, muitos italianos migraram para o Brasil, entre eles veio Luigi Dovera, em 1945, passando pelos Estados do Ceará, Piauí, Pará e Maranhão. O então padre tinha a proteção da Igreja Católica e, no Brasil, foi acolhido pela igreja e continuou exercendo a função de capelão e também passou a ministrar aulas de latim, foi nesse período que conheceu Maria Olga de Melo Duarte, com quem casaria.

Olga era filha do delegado da cidade de Grajaú, no Maranhão, e foi aluna de Latim de Luigi. Por causa de uma carta mal interpretada, o padre acabou sendo obrigado a casar, em 1954, com Olga Duarte.

"A minha avó nessa época era filha de um delegado da cidade e era também estudiosa, pois seu pai a colocava para estudar. Ela passou a ser aluna de latim dele (de Luigi). Ele ia para uma missão no Rio de Janeiro, se apresentar à Igreja Católica. Aí ela escreveu uma carta para que ele trouxesse um dicionário de latim para ela. Aí a história se embrulhou, porque teve uma interpretação essa carta. O superior dele, que era o primeiro padre, não olhou com bons olhos, pensou que era uma carta de romance, que tivesse ali uma troca. Aí surgiu essa história de um romance dentro da igreja", conta a neta dos Dovera.

Ainda de acordo com Tathiana, Olga teve que casar com Luigi, porque na época, jamais uma moça poderia se envolver com uma autoridade religiosa e jamais um religioso poderia se envolver com uma fiel, que no caso também era aluna.

"Então a igreja o convocou para que ele pudesse se explicar e fez a advertência dele. Mas o pai da minha avó disse que, como já tinha surgido essa história de romance, eles teriam que se casar, pois na cidade dele as regras são conforme tem que ser. Então, uma moça que recebeu a cantada de um homem jamais poderia ficar solteira. Por isso eles tiverem que constituir esse matrimônio, não de forma voluntária, mas pelos padrões que a sociedade impunha naquela época. Ela não foi para o casamento dela. O casamento foi por procuração no Rio de Janeiro, ela estando aqui na cidade de Grajaú", destaca Tathiana Dovera.

Em 1953 Luigi foi liberado da batina e se casou com Olga em 18 de janeiro de 1954. O casal morou no Rio de Janeiro até 1966, quando retornou a São Luís. Do casamento, nasceram seis filhos, cinco meninos e uma menina.

Depois que se mudou para São Luís, o talento do italiano para esculturas foi reconhecido e ele passou a fazer vários monumentos para a capital e, também para o interior do Estado. Luigi, inclusive, ajudou na reforma do Teatro Arthur Azevedo.

"Então meu avô retornou para São Luís com a família. Eles moraram algum tempo dentro do teatro para que ele pudesse executar toda a reforma. Inclusive o lustre do teatro foi algo que ele teve um envolvimento muito grande, para que ele pudesse ter toda aquela parte de beleza. A reforma foi feita e depois a família vai para uma casa na Beira-Mar, onde passa a executar obras para o governo do Estado do Maranhão, como arquiteto, escultor, desenhista", conta a neta dos Dovera.

Nesse período, Luigi fez diversas obras de escultura e monumentos em São Luís.

"Foi ele que fez a sereia da Ponta d"Areia, o Anjo da Guarda na entrada principal do bairro, o São Cristóvão, lá no retorno do São Cristóvão. O antigo Roque Santeiro, que infelizmente foi retirado, a Praça dos Pescadores da Beira-Mar, a Batalha de Guaxenduba que fica no retorno do Vinhais, Nossa senhora Pólvora, entre outras. Ele também fez obras particulares dentro de instituições religiosas, como imagens da Virgem Maria, além de ter feito para o próprio José Sarney o busto do CEUMA", explicou Thatiana.

Mas a obra de maior importância para o ex-padre foi a construção do castelo, que foi de cunho particular. A obra nasceu do pedido da filha caçula de Dovera, que um dia, ao assistir a um filme da época medieval na televisão, falou ao pai que também queria ter um castelo, para se sentir uma princesa.

"Pai o senhor pode construir um castelo pra mim, que quero ser a princesa. Eu tinha quatro anos. E ele falou, "claro que eu posso, vou fazer o seu castelo". Ele era escultor, arquiteto, entre outras funções, e tinha uma oficina nesse terreno, onde ele fazia as estátuas, fazia vários monumentos, sempre construiu. Aí ele disse que ia fazer o castelo e tudo começou assim. Mas foi aos poucos, a construção demorou alguns anos", relata Gabriella Dovera, para quem Luigi fez o castelo.

A obra foi construída na Praia do Araçagi, em um terreno da família. Na época, o local pertencia a São Luís, mas hoje faz parte da cidade de São José de Ribamar, uma das quatro cidades que integram a Ilha de São Luís.

"A gente tinha uma casinha de palha lá, na qual a gente passava o final de semana, porque a gente morava, na época, na Beira-Mar, onde tudo acontecia. Nessa época, o Araçagi era totalmente isolado. Aí ele disse assim, "imagina um castelo dentro da natureza e de frente pro mar". Isso foi em 1979. E aí tudo começou", destaca Gabriella.

A obra foi sendo construída aos poucos e se tornando cada vez mais atrativa por causa do talento de Luigi Dovera no campo das artes clássicas. No local tem esculturas de biga, soldados, anjos, crianças brincando como se estivessem subindo em um poste, entre outras esculturas e monumentos que enfeitam dentro e fora do castelo. E, segundo a família do italiano, ele é referência em arquitetura no Maranhão e é até objeto de estudo acadêmico.

"Eles estudam a influência que ele trouxe para cá com esse projeto de trazer a Europa dentro de si. A gente tem parte da Europa aqui, na fundação de São Luís. Porque até então ele veio com toda essa obra dentro dele. Na Itália, os monumentos são construídos assim, em forma de castelos, tem muitas estátuas de pessoas ilustres, de representatividade daquela sociedade", destacou a neta de Dovera.

Com tantos atrativos, o castelo sempre chamou atenção de moradores da região e de turistas, que se encantam ao ver um castelo com estilo medieval perto da praia em pleno século XXI. A família Dovera afirma que o italiano era muito hospitaleiro e receptivo e sempre recebia de bom grado as pessoas que passavam pelo local. Na região tinha uma lagoa que era muito visitada. Os turistas iam para ver a lagoa e acabavam se deparando com o castelo.

"Teve um período que ele acabou tendo que ceder um horário, estar disponível para apresentar a obra, porque todo final de semana era aquela fila gigantesca de gente para olhar. O período que era aberto à visitação era o período que ele mesmo proporcionava. Ele recebia as pessoas que iam lá, às vezes sentava, abria uma mesa. Depois do falecimento dele, nada mais de gente, porque mexeu muito com a nossa estrutura familiar", disse a neta.

A família de Luigi ressalta que a obra do castelo só terminou com a morte de Luigi em 9 de outubro de 1994, aos 77 anos de idade, vítima de complicações causadas pela Diabetes. Após a morte de Luigi, Olga Dovera e os seis filhos continuaram morando no castelo, até a morte de Olga em 2017.

"Tem pouco tempo que saímos de lá, nós morávamos lá. A gente saiu de lá pouco depois da morte da minha mãe, que faleceu em 2017. É muito forte as lembranças, a gente acaba que vivendo aquilo de uma forma muito intensa. A gente precisava respirar por outros ares pra poder não ter aquelas lembranças tão fortes, que ainda é quando a gente vai lá. São lembranças muito boas que doem. A minha mãe sempre teve um apego muito forte, que não deu ainda pra digerir", conta Gabriella.

Atualmente o local está em reforma e como é uma obra arquitetônica, todo o serviço de restauração tem que ser pensado com muita cautela.

"Tivemos que contratar pessoas que pudessem executar o mais próximo do original. Toda casa tem manutenção, então, uma obra de arte também precisa de manutenção, por isso ela está lá com profissionais capacitados fazendo esse reparo na obra", destaca Tatiana.

Os filhos e netos de Luigi e Olga Dovera ressaltam que o castelo é um grande legado que foi deixado para eles como é herança, porque não é um imóvel, uma casa qualquer, é uma obra de arte.

"Nosso Estado pode se envaidecer com uma obra dessa e é um privilégio pra gente como familiar fazer parte dessa história", declarou Tathiana Dovera.