2021 tem recorde de prisões de profissionais da imprensa com 488 jornalistas detidos, aponta Repórteres Sem Fronteiras

2021 tem recorde de prisões de profissionais da imprensa com 488 jornalistas detidos, aponta Repórteres Sem Fronteiras
Número é 20% maior que no ano passado, aponta a organização. Aumento foi impulsionado sobretudo por Mianmar, Belarus e China. Número de mulheres detidas também é recorde. Estudantes universitários participam de um protesto em defesa da liberdade de imprensa em Manila, nas Filipinas

Noel Celis/AFP

Há atualmente 488 jornalistas presos no mundo, o número mais alto desde que a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) começou a contagem, em 1995, segundo relatório anual da ONG divulgado nesta quinta-feira (16).

O total de 500 jornalistas detidos é 20% mais alto do que o registrado no ano passado. "Os números revelam a força da repressão cada vez mais implacável contra a informação independente", diz o relatório.

Segundo a RSF, o "aumento excepcional no número de detenções arbitrárias" se deve principalmente a três países: Mianmar, Belarus e China.

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A ONG aponta que em Myanmar uma junta militar tomou o poder em fevereiro deste ano; Belarus "mergulhou em um modelo repressivo após a reeleição do Alexander Lukashenko em agosto de 2020"; e a China de Xi Jinping "está aumentando seu controle sobre a Região Administrativa Especial de Hong Kong, antes vista como um modelo de liberdade de imprensa na região". Segundo o relatório, a Lei de Segurança Nacional imposta em 2020 por Pequim "serviu de pretexto para a prisão e detenção de pelo menos dez jornalistas".

"A alta histórica no número de jornalistas em detenção arbitrária é o resultado de três regimes ditatoriais", afirmou Christophe Deloire, secretário-geral da RSF. "É um reflexo do fortalecimento das ditaduras no mundo, de um acúmulo de crises e da falta de escrúpulos desses regimes. Também pode ser o resultado de novas disputas geopolíticas de poder, onde os regimes autoritários não sofrem pressão suficiente para limitar a repressão."

Os cinco países onde há mais jornalistas presos são China (127), Mianmar (53), Vietnã (43), Belarus (32) e Arábia Saudita (31). O Brasil não é citado no relatório.

Recorde de mulheres presas

O total de jornalistas mulheres presas também alcançou o recorde de 60, um aumento de 33% em relação a 2020, disse a ONG. A China é o país onde o maior número de mulheres estão detidas (19).

Entre elas está a jornalista chinesa Zhang Zhan, que cobriu a pandemia de Covid-19 na cidade chinesa de Wuhan e venceu o prêmio RSF 2021 de liberdade de imprensa. Ela foi detida em maio de 2020, após divulgar nas redes sociais as imagens de ruas, hospitais e famílias infectadas, tornando-se uma das principais fontes de informação independentes sobre a situação de saúde na região.

Sua detenção foi mantida em segredo durante vários meses e em dezembro do ano passado ela foi condenada a quatro anos de prisão por perturbar a ordem pública. A jornalista iniciou uma greve de fome para protestar contra a decisão e, segundo a RSF, se encontra em estado crítico de saúde.

Entre os jornalistas homens presos citados no relatório está Julian Assange, fundador do portal WikiLeaks. Detido desde abril de 2019 no Reino Unido, o delator acaba de sofrer um revés com a decisão da Justiça britânica de abrir caminho para sua extradição para os EUA, onde corre o risco de ser condenado a 175 anos de prisão. Washington acusa Assange de 18 crimes após o Wikileaks publicar milhares de documentos militares e diplomáticos.

Um jornalista morto por semana

Em contraste com o aumento de detenções, o total de jornalistas mortos em relação direta com a profissão caiu para 46, o mais baixo registrado pela RSF em quase 20 anos. O número não ficava abaixo de 50 desde 2003.

"Essa tendência de queda, que vem se acentuando desde 2016, pode ser explicada em parte pela estabilização de conflitos regionais (Síria, Iraque e Iêmen) após 2012 e 2016. No entanto, o número de casos registrados segue elevado, em média, cerca de um jornalista é morto por semana no mundo", pondera o relatório.

A grande maioria (91%) dos jornalistas mortos em 2021 eram homens, mas as quatro mulheres mortas (9%) representam a maior proporção de casos em relação aos colegas do sexo oposto desde 2017.

Dos jornalistas mortos, ao menos dois terços foram deliberadamente executados, incluindo as quatro mulheres citadas e 26 homens. A RSF aponta que embora q proporção de execuções seja menor que a de 2020 (85%), está acima da média dos últimos cinco anos.

"A cada cinco jornalistas, três foram mortos em países que não estão oficialmente em guerra, e até mesmo a região do mundo considerada a mais segura para o exercício do jornalismo, a União Europeia, foi afetada", diz a RSF, citando como exemplo o jornalista holandês Peter R. de Vries.

Os cinco países mais perigosos para jornalistas no mundo em 2021 foram México, onde sete jornalistas foram assassinados; Afeganistão (6); Índia (4); Iêmen (4); e Paquistão (3).

No Afeganistão, onde o Talibã assumiu o poder em agosto, a maioria dos seis jornalistas mortos foram vítimas de ataques do grupo "Estado Islâmico" ou dos próprios talibãs. Devido à impunidade, o Afeganistão já era perigoso para jornalistas mesmo antes da volta do Talibã ao poder, tendo 47 profissionais sido mortos nos últimos cinco anos. O país lidera o ranking ao lado do México. A Síria aparece em seguida, com 42 jornalistas mortos em cinco anos.