Rentáveis, sustentáveis e próximas do cliente: produtores mostram vantagens e desafios das hortas urbanas

Rentáveis, sustentáveis e próximas do cliente: produtores mostram vantagens e desafios das hortas urbanas
Grandes áreas de plantio de hortaliças ganham espaço em cidades como Ribeirão Preto (SP), onde empresários registram renda mensal de até R$ 50 mil. Insegurança, cortes de água e poluição estão entre dificuldades enfrentadas pelo setor. O produtor Eduardo Santiago Fernandes, de Ribeirão Preto (SP)

Arquivo pessoal

O cultivo de verduras é a principal fonte de renda do produtor Eduardo Santiago Fernandes, de Ribeirão Preto (SP). Com o que planta em uma área de 14 mil metros quadrados dentro da cidade, em meio a casas e estabelecimentos comerciais, ele consegue um faturamento mensal bruto de até R$ 28 mil.

“O fato de ser uma horta urbana é o que torna a produção rentável. O fácil acesso nos ajuda na distribuição, gerando menos gastos com combustíveis, e facilita para o nosso cliente buscar as mercadorias, já que, no mesmo local da horta, temos um varejão”, explica o produtor.

Fernandes exemplifica um movimento que ganha espaço em países da América Latina, África e Ásia desde 1980, como resposta a crises econômicas e ao avanço das cidades, e que nos últimos anos tem se intensificado em grandes centros urbanos do Brasil. No país, a importância da atividade ficou ainda mais evidente em 2012, com o primeiro Plano de Agroecologia e Produção Orgânica, que prevê apoio ao fortalecimento dessa modalidade agrícola.

Além de uma solução financeira para muitas famílias, as hortas urbanas e periurbanas tornam os ambientes ocupados pelo homem mais sustentáveis, aumentam as perspectivas de segurança alimentar nas comunidades, ao mesmo tempo que se beneficiam da facilidade logística e da menor incidência de pragas comuns na zona rural.

Vantagens que, muitas vezes, superam desafios como a criminalidade, a maior concentração de gases poluentes e questões estruturais como a ineficiência do abastecimento de água.

“Por meio dessas hortas, é possível a ocupação de áreas ociosas, a conscientização de produção e consumo sustentável, e aproximação do consumidor dos produtores, possibilitando maior rentabilidade e o consumo de alimentos mais frescos”, afirma o engenheiro agrônomo Carlos Nick, professor doutor em fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Das culturas cultivadas por Eduardo Fernandes, ele afirma que a couve é a mais rentável

Arquivo pessoal

Da horta para o consumidor

Fernandes atua há 20 anos com agricultura urbana e hoje mantém uma produção na Avenida Patriarca. Com a ajuda dos pais e do irmão, ele planta alface, rúcula, cheiro verde, almeirão, chicória, brócolis e couve.

Além da venda direta ao cliente, ele fornece seus produtos a feirantes e comerciantes que apostam na venda de verduras e legumes picados e embalados.

“O consumidor procura cada vez mais praticidade e opções que economizem tempo, então conseguimos agregar mais valor aos produtos”, diz Fernandes.

Das verduras produzidas na horta familiar, Fernandes considera a couve a de melhor retorno, devido ao maior rendimento, baixo custo de produção e alta demanda.

“Além de precisar de pouco adubo e água, temos um desfalque de couve aqui em Ribeirão Preto, que faz ter uma procura muito grande. Por outro lado, a alface é bem menos rentável, por conta do tempo de produção e a quantidade de adubo que a planta precisa para se desenvolver”, diz.

Horta hidropônica na zona leste de Ribeirão Preto

Arquivo pessoal

Maior eficiência e menos pragas

Em termos de eficiência produtiva, uma plantação na cidade também pode ser vantajosa devido à maior facilidade de acesso a tecnologias que otimizam a produção, como estufas e ferramentas digitais de gestão, e a menor tendência da ação de pragas e insetos, como explica o engenheiro agrônomo Carlos Nick.

“O cultivo de hortaliças em zona urbana pode sofrer menos pressão em função da menor densidade populacional de pragas. As hortaliças também tendem a ser produzidas em ambiente protegido, permitindo a redução do número de aplicação de defensivos, o que, em última análise, resulta em um alimento de melhor qualidade”, aponta o professor da UFV.

Isso não significa, no entanto, a ausência de ataques. Nick explica que doenças causadas por fungos, bactérias e vírus, bem como insetos aparecem na rotina dessas plantações.

Esse fator é menos influente quando as hortas são mantidas sob ambientes protegidos, conhecidos como “estufas” ou “casas de vegetação”, já que essas permitem melhor controle dos fatores externos, como água, luz, temperatura e luminosidade.

“Os principais insetos que podem causar danos são formigas, insetos sugadores, como pulgões, percevejos e cigarrinhas, lagartas, grilos e paquinhas. Além desses, ácaros e moluscos, a exemplo de lesmas e caracóis, podem ocasionar danos por meio da raspagem das folhas”, pondera.

Verdura colhida em horta hidropônica de Ribeirão Preto

Arquivo pessoal

Demanda por água

Dentre os fatores mencionados para a manutenção de hortas urbanas, a água pode representar um dos maiores desafios, porque a recorrente escassez do recurso tende a ser sentida mais nas cidades do que no campo.

Nos 20 anos em que a família está à frente da produção, Fernandes afirma já ter mudado de endereço cerca de dez vezes, motivado por problemas de abastecimento.

“Quando começam os períodos de seca, existem muitos lugares da cidade em que falta água. Por isso, tivemos que parar a produção e mudar. Felizmente, agora estamos nesse endereço há dois anos e nunca faltou."

Do problema à oportunidade

Mas, em alguns casos, a necessidade de contornar o acesso limitado ao recurso é transformado em oportunidade. No Jardim Paulistano, na zona leste de Ribeirão Preto, uma estufa de 1 mil metros quadrados abriga desde 2014 uma horta hidropônica, sistema que demanda menores volumes de água para o cultivo com relação ao método tradicional.

Nele, vegetais como couve, rúcula, almeirão, espinafre, agrião e variedades de alface são plantados sem utilização de solo.

“A horta hidropônica quase não leva terra, precisa de um décimo do espaço de uma horta tradicional, é mais limpa e, por mais estranho que pareça, usa menos água e fertilizantes”, aponta o proprietário Paulo Pereira de Souza.

Apesar de ter investido mais para a implantação do sistema, comparado a uma horta convencional, ele avalia que a técnica se revela mais lucrativa quando levados em conta aspectos como o tempo do cultivo. Enquanto o plantio convencional de alface demora de 40 a 45 dias, o hidropônico leva de 30 a 35 dias.

Tal agilidade é resultado principalmente de uma solução formulada para cada espécie cultivada nesse sistema, que fornece os nutrientes necessários para o desenvolvimento pleno da planta.

“Os produtos, por sua vez, ficam livres de sujidades, como partículas de solo, possuem uma melhor qualidade em relação aos contaminantes microbiológicos e químicos, além de terem maior produtividade e seu ciclo de cultivo menor”, explica Nick, da UFV.

Reunindo todos esses atributos, a horta hidropônica de Souza fatura cerca de R$ 50 mil por mês com as vendas diretas ao consumidor por meio de um varejão próprio.

“Geralmente, o valor atribuído aos nossos produtos é maior pela durabilidade das plantas e pela limpeza, já que ninguém vai achar caramujos ou lagartas no meio das folhas”, cita o produtor.

Horta hidropônica na zona leste de Ribeirão Preto

Arquivo pessoal

Desafios urbanos

Além da água, no sistema tradicional ou hidropônico, as hortas cultivadas na cidade dependem dos mesmos insumos para produção, como sementes, fertilizantes e defensivos, e enfrentam algumas circunstâncias mais comuns aos espaços urbanos, como os furtos.

“Enfrentamos muito calor e temos uma grande concentração de gases em baixa altitude, que são poluentes e prejudiciais à saúde e às plantas. Felizmente, a irrigação em horários certos e as estufas ajudam a barrar esses tipos de problema”, explica Santiago Fernandes, que também já teve de lidar mais de uma vez com invasões em sua propriedade.

Segundo ele, a ação criminosa envolve desde fios de eletricidade e canos às verduras. “E não tem o que fazer. Temos que contar com o policiamento mesmo. Já tentamos reforçar a cerca, mas não adianta”, reclama.

Apesar das dificuldades, o professor da UFV destaca que é importante incentivar e apoiar hortas urbanas e comunitárias, visto que a ampliação do setor certamente garantiria a segurança alimentar das populações envolvidas.

“A possibilidade de geração de renda, de acesso das populações mais vulneráveis a alimentos saudáveis e de socialização das comunidades envolvidas são garantidores de uma vida digna”, avalia.

Eduardo Fernandes, dono de horta urbana em Ribeirão Preto, SP

Arquivo pessoal

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