CNPEM desenvolve técnica inovadora e menos invasiva para tratar câncer de próstata

CNPEM desenvolve técnica inovadora e menos invasiva para tratar câncer de próstata
Tecnologia transforma estrutura viral para reconhecer e sinalizar células cancerígenas, e dar impulso para ataque das células de defesa. Estudo teve sucesso em testes com animais e foi publicado em revista americana. Pesquisador do CNPEM Márcio Chaim Bajgelman atuou no desenvolvimento de tecnologia para combate ao câncer de próstata

Giancarlo Giannelli/CNPEM

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) , em Campinas (SP), conseguiram modificar a estrutura de um vírus e implementar uma tecnologia aliada no combate ao câncer de próstata. O estudo aponta um caminho menos invasivo para que os tumores sejam identificados e sinalizados, e posteriormente atacados pelas células de defesa do corpo.

A técnica é inovadora e foi publicada na revista científica americana Molecular Therapy Oncolytics. Resultados em ensaios feitos com modelos animais garantiram 90% de inibição das células cancerígenas.

"A perspectiva é que consigamos transportar para humanos. Acredito que em cerca de 5 anos a gente chegue a um resultado igual ao que tivemos para animais", disse em entrevista ao g1 o pesquisador Márcio Chaim Bajgelman.

A estratégia é usar as partículas semelhantes a vírus, conhecidas como VLP e popularizadas na divulgação de técnicas para o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19.

Na estratégia dos pesquisadores de Campinas, a "carcaça" de uma partícula com características de vírus recebe um envoltório "decorado" com proteínas que conseguem se ligar aos marcadores existentes nas células do câncer de próstata, o PSMA.

"Desenvolvemos uma nanopartícula que a gente decorou com ligantes. Um dos ligantes vai direcionar a partícula para o sítio tumoral [local específico onde o câncer está]. Se a gente administrar essa partícula na corrente sanguínea, ela vai achar o sitio tumoral" afirmou Chaim.

"O câncer de próstata pode ter metástase, e nesse caso a nossa partícula também conseguirá achar focos tumorais em outros locais", completou.

Superestímulo às células de defesa

Esse envoltório também conta com moléculas que estimulam o sistema imunológico, avisando que os tumores podem ser atacados e evitando que o câncer consiga "enganar" as células de defesa, como ocorre em alguns casos de doenças autoimunes.

"As células de câncer vão apresentar na superfície os marcadores, pequenas 'bandeirinhas'. As células do sistema imunológico, como os linfócitos, vão encontrar essa que esta acenando. Todo mundo tem esse repertorio de milhões de linfócitos no organismo. O problema é que só esse reconhecimento não basta, precisa de um empurrão. A nanopartícula vai encontrar esse marcador e dar um segundo sinal para o linfócito ,que vai informar que ele precisa ser ativado agora"

"[No futuro] conseguiremos produzir isso num volume bem grande, executar o mecanismo com processo de purificação, formulação, e teria no final um medicamento".

Imagens do estudo sobre as nanopartículas contra câncer de próstata mostram aderência de proteínas nas VLPs na superfície da célula

Reprodução/CNPEM

Menos efeitos colaterais

A terapia com esses biomarcadores inovadores também traz uma esperança quanto à redução dos efeitos colaterais nas pessoas que passam pelo tratamento.

"Hoje, a pessoa que faz uso de quimioterapia tem muitas reações adversas, cai cabelo, problemas na mucosa gástrica. Tem um problema para o paciente. Quanto mais aumenta a químio, mais desgasta o paciente. Existe um balanço entre matar a célula de câncer e não matar o paciente com o quimioterápico".

Com o organismo mais saudável para passar pelo câncer, as chances de cura também se elevam, segundo Chaim. O uso das nanopartículas biológicas pode ser combinado, no futuro, com terapias já existentes, como quimio, radio e imunoterapias.

"O câncer voltar é porque tem células que escapam da terapia e do sistema imunológico, e formam um tumor de novo. Quando você tem à disposição outras estratégias, como a imunoterapia, em combinação com outras estratégias, consegue aumentar a eficiência do tratamento".

Como foram os testes até aqui

Trabalhos começaram em 2012, com o desenvolvimento do conceito, e em 2015 começaram os ensaios clínicos.

Os protocolos foram submetidos e aprovados por uma comissão de ética.

Linfócitos isolados de camundongos foram usados para receberem células tumorais de câncer de próstata humano, com PSMA.

Marcadores foram colocados nas células tumorais para verificar se serão eliminadas.

Construíram as nanopartículas com imunomoduladores combinados, com uma potência maior parta eliminar o câncer.

Aplicaram a estratégia para as células de defesa, os linfócitos T, não se transformarem em células regulatórias, que poderiam originar uma resposta autoimune.

Conseguiram deixar a célula de defesa mais potente, mas eficiente e agressiva, para eliminar o câncer.

Nos animais, os tumores cresceram e foram tratados com a tecnologia das nanopartículas desenvolvidas pelo CNPEM. Houve uma inibição de 90%.

O estudo com os resultados foi publicado na revista científica americana em 24 de março.

Pesquisador do CNPEM, em Campinas, Márcio Chaim Bajgelman

Giancarlo Giannelli/CNPEM

Próximos 5 anos

O estudo, financiado com verba da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), teve bons resultados in vitro e também em camundongos. O CNPEM é uma organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e a tecnologia inovadora desenvolvida é nacional.

O próximo passo é criar uma realidade mais parecida com a dos humanos, mas ainda em animais, para acompanhar os resultados dentro dos próximos cinco anos.

Os testes serão feitos em cultura de células humanas e também serão usados modelos animais humanizados, segundo o pesquisador.

"As nossas partículas vão ter que ter ligantes para estimular linfócitos humanos, que têm receptores diferentes. Temos que ter ligantes humanos. A primeira prova de conceito é na placa de cultura. A segunda prova é verificar no animal se elimina tumores humanos. Geramos esses animais em laboratório", explicou Márcio Chaim, ao detalhar que esse é o processo habitual para o desenvolvimento de medicamentos.

"Imagino que em 5 anos a gente já tenha partículas humanizadas funcionando no modelo humanizado e testes clínicos realizados", completou.

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