Economia sob bloqueio: brasileiros contam como têm 'driblado' os impactos das sanções à Rússia

Economia sob bloqueio: brasileiros contam como têm 'driblado' os impactos das sanções à Rússia
Problemas passam por reflexos diretos do conflito, como o reforço à inflação de produtos básicos, mas chegam ao sumiço de marcas e à dificuldade de enviar dinheiro depois do bloqueio ao universo financeiro russo. Russos fazem fila para tirar dinheiro após sanções de outros países por causa da guerra na Ucrânia

Victor Berzkin/AP Photo

Restrições a transferências bancárias, falta de produtos nas prateleiras, preços em alta: a guerra na Ucrânia, que se arrasta há mais de 2 meses, também provoca efeitos sobre a economia da Rússia.

Para quem vive no país, foi preciso se adaptar aos impactos do conflito no preço de produtos russos, como petróleo e trigo, mas também às severas sanções econômicas impostas ao país como retaliação à invasão ao país vizinho.

Na semana passada, os Estados Unidos e seus aliados na União Europeia anunciaram que desejam aplicar uma sanção ainda mais forte contra a Rússia, banindo a compra do óleo de Moscou até o final do ano.

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Essas sanções atingem não só a economia local, mas também os cidadãos – e brasileiros que moram ou têm relações com o país.

'Triangulação' de dinheiro

As dificuldades impostas pelas sanções podem desafiar a consagrada criatividade brasileira.

Caio Nascimento, de 32 anos, tem uma filha de 4 anos, Jasmine, que mora na Rússia. Mensalmente, ele enviava apoio financeiro à mãe da criança em Moscou.

Antes da guerra, o dinheiro circulava por meio de plataformas comuns de remessa internacional. Quando foi anunciado o bloqueio da Rússia ao Swift, os serviços saíram do ar.

Caio Nascimento foi obrigado a 'triangular' com outro brasileiro o envio de dinheiro para a filha de 4 anos, que mora em Moscou

Arquivo pessoal

Swift é o serviço global de telecomunicações entre instituições financeiras no mundo e a retirada da Rússia dessa cadeia tem o objetivo de "desligar" o comércio do país do resto do mundo.

Na prática, a medida impede a transferência de dinheiro e paralisa os pagamentos entre produtores russos e seus compradores. Impossibilitados de transacionar no Swift, um lado não pode faturar e o outro não pode pagar pelas mercadorias. O mesmo vale para remessas de pessoas físicas.

"Fiz um acordo com um jogador de futsal brasileiro que também não consegue enviar dinheiro para o Brasil. Ele envia os rublos para minha filha e eu mando reais para a família dele", diz Nascimento.

Além de "triangulações" do tipo, a comunidade brasileira tem se articulado em redes sociais e apps de mensagens para criar soluções.

Alguns partiram para o mercado de criptomoedas. Mas há um sério risco de desvalorização do dinheiro, pois esses ativos são marcadas pelos preços muito voláteis no mercado internacional.

O bitcoin, por exemplo, ronda as cotações mínimas em quase 1 ano. Em meados de fevereiro, quando a guerra começou, a criptomoeda valia cerca de US$ 40 mil. Hoje, gira em torno dos US$ 30 mil. Quem converteu parte do patrimônio nesse intervalo pode ter acumulado uma perda de até 25%.

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Saída de empresas

Danilo Ribeiro está livre dos entraves do Swift, pois não precisa enviar dinheiro aos familiares em São Paulo. Nem por isso está imune aos aborrecimentos financeiros.

Dentre as mais de 1 mil empresas que suspenderam ou reduziram operações na Rússia — como registra um relatório recente da Universidade de Yale — estão as principais bandeiras de cartão de crédito e alguns bancos.

"Até fui ao McDonald's no último dia de operação. Descobri depois que eles ainda funcionam em aeroportos e estações de trem", diz ele, que mora em Moscou.

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Mais que o fechamento de empresas, os primeiros impactos das sanções causaram uma corrida por dólares no país e uma severa desvalorização do rublo. Com medo do aperto econômico, Ribeiro pensou em voltar ao Brasil.

"Quando anunciaram as sanções, houve um pânico geral. Muitas coisas sumiram das prateleiras e o preço dos alimentos subiu muito. Com o tempo, a vida voltou ao normal, mas mais cara", diz.

Danilo Ribeiro é professor de inglês e mora na Rússia desde 2016

Arquivo pessoal

Ribeiro desistiu de voltar porque sua clientela como professor de inglês é majoritariamente russa. Seria necessário, portanto, refazer toda a carteira de clientes do zero. O jeito foi aguentar o aumento de custo de itens básicos — sem esquecer que em terras brasileiras o fenômeno também acontece.

Na sua cesta de produtos, ele destaca o café e o papel para a preparação de aulas, que dobraram de preço. Mesmo com a queda do poder de compra, avaliou que ainda teria melhor rendimento ao ficar na Rússia, apesar de alguns incômodos.

"Eu fazia pagamentos internacionais em uma plataforma que parou de funcionar e não consigo mais pagar meu terapeuta, que fica no Brasil. E também sinto falta de marcas de roupa. Ficaram só as russas, que não atendem ao meu biotipo", conta.

Segundo ele, a perspectiva para os próximos meses, ainda assim, é boa. Ribeiro diz que a chegada do verão faz a economia russa se reaquecer, o que abastece o país com produtos domésticos. "Quando chegar no próximo inverno, as sanções podem pesar mais, porque o país precisa de mais importações e o preço pode complicar a situação", afirma.