Agência Europeia vai investigar denúncias de migrantes colocados em 'jaulas' na Bulgária

Agência Europeia vai investigar denúncias de migrantes colocados em 'jaulas' na Bulgária
Questão veio à tona após vídeos de grupo de imigrantes dentro de gaiola cheia de sujeira serem divulgadas por coletivo de jornalistas. Atenção: conteúdo sensível. Consórcio de jornalistas denunciou condições desumanas de detenção de refugiados na Bulgária, A Frontex, agência europeia da guarda de fronteiras e costeiras, afirmou que vai investigar a denúncia. Na foto, posto de fronteira de Kapitan Andreevo entre a Bulgária e a Turquia

AP - Hristo Rusev

(Atenção: conteúdo sensível abaixo.)

A Frontex (Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira), afirmou nesta sexta-feira (9) à RFI que vai analisar as informações de que policiais teriam trancado migrantes em condições desumanas em "jaulas" improvisadas, na cidade de Srédéts, na fronteira da Bulgária com a Turquia. O objetivo seria deter refugiados que tentam chegar à Europa de entrar com um pedido de asilo.

A denúncia foi feita na quinta-feira (8) pelo coletivo de jornalistas Lighthouse Reports e vários veículos de imprensa europeus, incluindo o jornal francês Le Monde, que analisaram a autenticidade das imagens dos vídeos feitos entre 15 de outubro e 25 de novembro na cidade búlgara. A Frontex estaria ciente dos fatos, de acordo com os jornalistas.

Segundo a agência, desde o ano passado foram registrados dez incidentes graves na fronteira entre a Bulgária e Turquia. "Um deles está relacionado a Srédéts, mas não tem ligação com a guarda da fronteira", afirmou Paulina Bakula, assessora de imprensa da Frontex, em uma mensagem enviada à RFI Brasil. No e-mail, ela deixa claro que a agência não tinha conhecimento das práticas denunciadas pelos repórteres.

De acordo com ela, as informações serão investigadas pelo Escritório de Direitos Humanos da agência."Todos os agentes da Frontex têm a obrigação de denunciar qualquer ação suspeita de violar os direitos fundamentais, que são em seguida analisadas com toda a seriedade necessária e investigadas para serem tratadas como um incidente potencialmente grave", afirmou.

A representante da Frontex também ressalta que os funcionários são treinados para aplicar e proteger os direitos humanos "em todas as suas atividades. "Além do treinamento, eles também têm a obrigação de relatar qualquer suspeita de violação desses princípios", reitera. Na cidade de Srédéts, no sudeste da Bulgária, onde ocorreram os incidentes, a Frontex apoia a polícia da fronteira, "mas não atua nos procedimentos que envolvem a requisição de asilo político ou o retorno dos migrantes a seus países", diz.

Campanha contra migrantes

A Lighthouse Reports afirma que existe uma "campanha" para afastar os imigrantes nas fronteiras europeias, principalmente na Bulgária, Hungria, Grécia e Croácia.

Os jornalistas obtiveram o depoimento de centenas de testemunhas, que confirmaram a existência de "black sites": centros de detenção clandestinos onde refugiados e migrantes são mantidos antes de serem forçados a voltar para seus países, em condições desumanas, e sem a possibilidade de entrar com o pedido de asilo. O coletivo afirma que a Frontex está a par das práticas ilegais.

Os vídeos divulgados nesta quinta-feira mostram uma "jaula" improvisada de poucos metros quadrados, construída com barras de ferro. Ela pode ser vista da rua e está localizado perto de uma pré-escola e de um ginásio municipal em Srédéts. Nas imagens, um grupo de imigrantes, em meio à sujeira e aos detritos espalhados pelo chão, conversa com um policial. Segundo o Le Monde, um carro da Frontex pode ser visto perto do local, onde pelo menos 34 pessoas ficaram detidas.

Quatro migrantes, que vieram da Síria e do Afeganistão, contaram aos jornalistas que foram trancados após tentarem entrar ilegalmente na Bulgária. Eles afirmam terem sido "insultados, roubados e espancados". Um migrante afegão revela que cerca de 20 deles chegaram a ocupar o local ao mesmo tempo, sem água e comida, durante três dias. O grupo incluía uma mulher e um adolescente de 15 anos. "Não tinha banheiro, não tinha nada, e o cheiro era horrível. Eles jogaram cães na gente e nos bateram, mesmo em quem estava machucado", relata.

Em seguida, os migrantes teriam sido colocados em um caminhão e levados à força para a fronteira turca. Essa prática é ilegal, já que a União Europeia prevê o direito à solicitação de asilo antes da eventual expulsão. O local onde está situada a jaula é designado como uma garagem em documentos da prefeitura, quando foi cedido à polícia local, em 2010.

A Bulgária tem reforçado o controle de suas fronteiras para aumentar suas chances de um dia poder integrar o espaço Schengen. Desde 2021, o país tem enviado milhares de militares para regular o fluxo migratório na fronteira com a Turquia, que aumentou depois que os talibãs assumiram o poder no Afeganistão e com a retirada total das tropas americanas do país. Segundo o Ministério do Interior búlgaro, 11 mil pessoas foram detidas em 2022 por entrar ilegalmente no país.

Contêineres na Croácia

May Bulman, uma das repórteres do Lighthouse Reports envolvidas na investigação, publicou uma mensagem no Twitter revelando que contêineres de navios também foram usados na Croácia na Hungria para deter requerentes de asilos, inclusive crianças.

A agência das Nações Unidas para os refugiados declarou que ainda não teve acesso às imagens feitas na Bulgária e nos contêineres e não poderia fazer comentários, mas demonstrou "profunda preocupação com as denúncias", de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas. "O Alto Comissariado apoiará os Estados e a Comissão Europeia na implantação de mecanismos de monitoramento independente para a investigação desses incidentes", frisou o órgão.