Político de extrema-direita queima o Alcorão em público e dá a Erdogan o pretexto para barrar entrada de Suécia e Finlândia na Otan

Político de extrema-direita queima o Alcorão em público e dá a Erdogan o pretexto para barrar entrada de Suécia e Finlândia na Otan
Presidente da Turquia interrompe negociações e ameaça vetar ingresso dos dois países nórdicos na aliança atlântica Bandeira sueca queima ao lado do Alcorão em Estocolmo, na Suécia

Umit Bektas/REUTERS

O ingresso da Suécia na Otan esbarra na ameaça de veto da Turquia, depois que um político de extrema direita queimou um exemplar do Alcorão em frente à embaixada do país em Estocolmo. O sueco-dinamarquês Rasmus Paludan é reincidente na façanha e já foi preso por racismo, difamação e por postar vídeos com conteúdo islamofóbico na internet.

No sábado passado, munido de um isqueiro, ele ateou fogo ao livro sagrado do Islã, após discursar contra o islamismo e a imigração. O ato desatou a ira no mundo muçulmano e provocou uma reação contundente do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan: que a Suécia não espere o apoio de seu país para ingressar na Otan.

Erdogan fala para a sua base. Uma enquete realizada pela agência Anadolu pelo Twitter mostrou que mais de 90% disseram ser contra o aval da Turquia à entrada do país nórdico na Otan. Ancara convocou o embaixador sueco para condenar a queima do Alcorão e cancelou a visita do ministro da Defesa, Paul Johnson, que chegaria ao país nesta sexta-feira.

Bandeiras dos países membros da Otan hasteadas do lado de fora da sede de Bruxelas

Olivier Matthys/Associated Press

Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, no ano passado, Suécia e Finlândia quebraram a tradição de 73 anos de neutralidade e se candidataram a entrar na aliança atlântica, apoiadas especialmente por EUA e Reino Unido. Para que os dois países sejam aceitos, é necessário a aprovação dos 30 membros da Otan. Falta apenas o consentimento de Turquia e Hungria, que, embora relutante, já se comprometeu a aprovar as duas candidaturas no início deste ano.

Sobrou a Turquia, membro da Otan desde 1952 e ator estratégico para a aliança militar ocidental, pois assegura o controle do Estreito de Bósforo, que liga o Mediterrâneo ao Mar Negro. Dessa forma, fechando o canal, a Turquia impediu que a Rússia mandasse navios para reforçar a guerra na Ucrânia, assim como fez acordos com Moscou para obter vantagens nos preços de gás e petróleo.

Ciente da importância de seu papel, Erdogan impôs condições à Suécia e à Finlândia, entre as quais a extradição de cerca de 70 curdos acusados pela Turquia de extremismo. As negociações avançavam em ritmo lento até a manifestação de Paludan em frente à embaixada, que foi permitida pela polícia e teve a presença de pró-curdos.

Protestantes se manifestam com sinalizadores e bandeira da Turquia nas ruas de Estocolmo

Umit Bektas/REUTERS

Fundador do partido dinamarquês Hard Line, que não teve votos suficientes para conseguir cadeiras no Parlamento, o ativista de extrema direita se ancora na liberdade de expressão para atacar o islamismo e pôr fogo no livro sagrado. “Se você é contra a liberdade de expressão, tem que morar em outro lugar”, bradou.

O premiê conservador Ulf Kristersson, que desde outubro governa a Suécia, com o apoio da extrema direita, considerou o protesto de Paludan extremamente desrespeitoso e manifestou solidariedade aos muçulmanos que foram ofendidos na manifestação. “A liberdade de expressão é uma parte fundamental da democracia. Mas o que é legal não é necessariamente apropriado.”

O extremista incendiário foi banido da Bélgica por um ano por tentar queimar cópias do Alcorão num bairro muçulmano e deportado da França pelo mesmo motivo. No ano passado, seu grupo provocou vários dias de agitação na Suécia, ao promover uma espécie de turnê por vilas e cidades com comunidades de muçulmanos. Cerca de 40 pessoas foram presas nos confrontos.

Rasmus Paludan finalmente deu agora a Erdogan o pretexto que procurava para brecar a adesão de Suécia e Finlândia à Otan.