As consequências práticas da crise do Congresso dos EUA no mundo

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As consequências práticas da crise do Congresso dos EUA no mundo
Com a Câmara em crise, as probabilidades de se aprovar mais verbas de ajuda à Ucrânia ou de se evitar uma paralisação do governo diminuíram. Foto de 2018 mostra placa com aviso de que prédio público estava fechado por conta de paralisação das contas do governo

GETTY IMAGES

A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos destituiu na terça-feira (3/10) o seu presidente, o republicano Kevin McCarthy, deixando a câmara baixa do Congresso sem líder e sem rumo.

Os parlamentares entraram em recesso pelo menos até a próxima semana, enquanto alguns republicanos disputam aberta ou reservadamente o cargo.

As consequências da crise no Congresso estão se tornando mais claras e podem se estender para além das fronteiras dos Estados Unidos, como na Guerra na Ucrânia e na economia global. Entenda abaixo.

Bilhões em compasso de espera

O governo de Joe Biden tem alertado há semanas que os fundos destinados pelo Congresso para a ajuda dos EUA ao esforço de guerra ucraniano estão quase esgotados.

O Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, previu uma "escalada de problemas" a partir do início de outubro se o Congresso não autorizasse a liberação de bilhões de dólares para o resto do ano.

Sob pressão de deputados de direita — os mesmos conservadores que destituíram McCarthy — fundos adicionais não foram aprovados.

Agora, com a saída de McCarthy, parece muito pequena a probabilidade de mais verbas imediatas serem liberadas para o esforço na guerra.

A Câmara não poderá fazer nada de substancial até que eleja um novo presidente da Casa. E o mais cedo que isso pode acontecer é em meados da próxima semana.

Além disso, qualquer pessoa que aceite o cargo estará sob a mesma pressão — e enfrentará os mesmos dilemas — que McCarthy.

Republicanos como Matt Gaetz, que liderou a campanha para destituir McCarthy, e Marjorie Taylor Greene opõem-se veementemente a mais auxílio financeiro à Ucrânia. Qualquer presidente da Câmara que coloque para votação essa ajuda enfrentará quase com certeza uma revolta na ala mais à direita do partido Republicano.

O novo presidente da Casa poderia compensar a ajuda à Ucrânia com as prioridades dos conservadores, como mais verbas para a proteção às fronteiras — o que tornaria tudo mais palatável para os republicanos rebeldes.

No entanto, isso colocaria em risco o apoio democrata na Câmara, e o grupo de Greene e Gaetz já rejeitou esse tipo de esforço no passado recente.

BBC

O governo Biden está lutando para encontrar alternativas para ajudar a Ucrânia, como a transferência de armas confiscadas do Irã. Biden anunciou na quarta-feira (4/10) que faria um "grande discurso" sobre a necessidade de financiamento da Ucrânia.

Ele deu a entender que há outras opções a se estudar.

"Há outros meios pelos quais poderemos encontrar financiamento para isso [a guerra na Ucrânia], mas não vou entrar nisso [nesse assunto] agora", disse o presidente.

Biden pode estar se referindo a um procedimento parlamentar raramente usado para contornar a liderança republicana da Câmara e levar ao plenário uma votação sobre a Ucrânia.

Mesmo com alguma resistência republicana, Biden destacou que existe uma maioria na Câmara, tal como no Senado, que apoia a continuidade do apoio à Ucrânia.

O caminho para colocar um projeto de lei na mesa do presidente, no entanto, está ficando mais complicado a cada dia que passa.

Paralisação iminente

A causa mais imediata da destituição de McCarthy foi a sua decisão de levar à frente um projeto de lei no sábado (30/09), que, com o apoio dos democratas, adiou a paralisação das contas do governo até 17 de novembro.

Dado o que aconteceu com McCarthy, o próximo presidente da Câmara poderá ter de fazer mais concessões à ala mais à direita do partido Republicano, virando-se contra a minoria democrata na Câmara, a maioria democrata no Senado e Biden na Casa Branca.

Será difícil para o futuro presidente da Câmara chegar a um acordo sobre os gastos federais com os republicanos da Casa. Gaetz e seus aliados estão pressionando por grande cortes nas despesas. Já os republicanos mais centristas os parlamentares dedicados ao tema da defesa estão buscando financiar as suas prioridades legislativas.

O Senado controlado pelos democratas acabará por ter de aprovar o seu próprio pacote de despesas governamentais e é pouco provável que engula um projeto de lei apoiado pela Câmara, controlada pelos republicanos.

Sendo improvável um acordo, as probabilidades de paralisação — talvez prolongada até ao final do ano — aumentam consideravelmente.

Os EUA sobreviveram a várias paralisações governamentais iminentes nas últimas décadas, e os efeitos já são conhecidos: os funcionários públicos e os empreiteiros serão os que mais sofrerão, uma vez que os seus contracheques serão atrasados ou, em alguns casos, seus contratos serão cancelados.

Alguns programas governamentais para a pobreza podem sofrer, enquanto órgãos e serviços podem ser fechados.

Tudo isto terá repercussões econômicas que poderão empurrar os EUA para a recessão — e isso, claro, teria consequências para a economia global.

A atual crise no Congresso também poderá continuar a minar a confiança da população nos governos, o que as pesquisas já mostram estar perto de patamares mínimos históricos.

Embora os democratas tenham assistido ao drama da destituição de McCarthy na terça-feira com uma mistura de espanto e diversão, é difícil prever o resultado final desta crise.

Faltando apenas um ano para as eleições para a Casa Branca e para o Congresso, um eleitorado irritado e frustrado pode ser uma má notícia para os políticos de todos os espectros.