Diante de possível escassez, agrônomo da Unicamp alerta: 'Não existe agricultura sem o potássio'

Diante de possível escassez, agrônomo da Unicamp alerta: 'Não existe agricultura sem o potássio'
Brasil é dependente das exportações do mineral, que vem, na maioria, da Rússia. Para fins comerciais, insumo é ainda mais importante porque melhora crescimento e produção. Cultivo de café na Fazenda Bom Jesus Coffees em Franca, SP

Fazenda Bom Jesus Coffees

Depois de um longo período de pandemia, que desencadeou situações como alta do dólar, encolhimento do mercado e dificuldades no escoamento da produção, o cafeicultor Gustavo Leonel, diretor comercial de uma fazenda em Franca (SP), não esperava que uma guerra na Europa adicionasse mais uma grande preocupação: a possível escassez na oferta de fertilizantes.

Isso acontece porque a Rússia, uma das principais exportadoras de insumos agrícolas do mundo, está sob sanções econômicas internacionais desde que iniciou uma guerra com a Ucrânia.

“Já estamos com dificuldades de compra, porque as empresas também estão inseguras em relação aos estoques disponíveis. E haverá, com certeza, altas exponenciais no preço da tonelada”, analisa o diretor, que tem o país eslavo como um de seus principais fornecedores para atender os 120 hectares cultivados na Fazenda Bom Jardim Coffees.

Ao todo, o Brasil importa 85% da sua necessidade de fertilizantes, sendo que 23% é comprada da Rússia, segundo dados do Ministério da Economia. Em 2021, as transações entre os dois países somaram US$ 15,2 bilhões (R$ 78,4 bilhões).

O volume das negociações é consequência da alta representatividade dos insumos nos custos totais das lavouras, como explica Leonel.

“Em média, um hectare de café, para ser cultivado, produzido e colhido, tem o custo de R$ 16 mil a R$ 20 mil, dos quais praticamente 50% são destinados aos insumos agrícolas. Sendo assim, estamos bastante preocupados com a situação”.

Na semana passada, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, viajou ao Canadá para negociar o fornecimento do insumo do país ao Brasil.

Fertilizantes têm nitrogênio, fósforo e potássio como matérias-primas

Globo Rural

O K da questão

Atualmente, o principal temor dos produtores agrícolas é com a oferta de fertilizantes a base de potássio, já que a Rússia é a principal exportadora do mundo dos insumos conhecidos como NPK, que são os símbolos químicos correspondentes a Nitrogênio (N), Fosfato (P) e Potássio (K).

No caso dos insumos com potássio, a dependência brasileira de produção externa (não só da Rússia) chega a 95% do total consumido. Contudo, é esse macronutriente que garante o desenvolvimento das plantas, sendo absorvido em grande quantidade.

“O potássio é responsável pela ativação de várias enzimas do metabolismo vegetal. Ele é muito importante no controle da abertura dos estômatos, que são os poros que existem nas folhas e por onde entra o gás carbônico (CO2), usado para a fotossíntese. Se o estômato não abre, não há fotossíntese”, explica o agrônomo Paulo Mazzafera, professor do Instituto de Biologia da Unicamp.

O potássio age no desenvolvimento das plantas e melhora crescimento e produtividade

Fazenda Bom Jesus Coffees

Sendo assim, todas as plantas precisam do potássio para se desenvolverem. Mas, quando passam a ser cultivadas com propósitos econômicos, a dependência desse mineral é ainda maior, visto que, delas, são esperados maior crescimento e produção.

“Os insumos à base de potássio são normalmente aplicados na fase de crescimento das sementes ou dos frutos. Mas nenhuma cultura se desenvolve sem o potássio. Todas dependem dele em menor ou maior grau”, destaca Mazzafera.

Sem os insumos produzidos pela Rússia e Belarus, outro país que também vem sofrendo sanções devido ao seu alinhamento com o país vizinho, haverá uma redução de até 23 milhões de toneladas nas exportações de potássio por ano, o que, de acordo com o professor da Unicamp, pode ter consequências graves inclusive no fim da cadeia produtiva.

“[A falta de potássio] seria uma catástrofe, já que ele é essencial para o desenvolvimento das plantas, logo, para a produção de alimentos. Não existe agricultura sem o potássio”.

Pomar de laranjas

Divulgação/Seappa

Nem tudo está perdido

Apesar da importância do mineral, é importante distinguir que potássio não é sinônimo de fertilizante e, sim, um componente dele. Até por isso, ele não está necessariamente presente em todos os insumos agrícolas.

“Nem todo fertilizante tem potássio, pois, alguns deles, são demandados em fases diferentes da cultura. Assim, jogar um nutriente em uma fase em que não é tão necessário é desperdiçar adubo. A adubação é um processo que exige conhecimento do ciclo da cultura e das quantidades que a planta precisa para ter uma boa produção”, avalia o agrônomo da Unicamp.

No Brasil, é comum que as plantações sejam dependentes da combinação de nutrientes fornecidas pela Rússia, a NPK, com o objetivo de atender à demanda por alimentos e garantir a produtividade.

Segundo aponta Gustavo Leonel, esse é o caso da cafeicultura convencional, que chega a aplicar um insumo conhecido como “K Forte”, usado para aumentar a capacidade do solo de reter água e nutrientes, além de reduzir as perdas de nitrogênio.

Entretanto, especializado no cultivo de cafés orgânicos, o cafeicultor conta que já trabalha com alternativas a esses produtos, as quais, agora, ajudam a mitigar o impacto da atual crise dos fertilizantes e a manter a produtividade média de 39 sacas de café por hectare cultivado.

“No nosso caso específico, utilizamos, por exemplo, insumos homeopáticos para cafeicultura orgânica, compostagens de origem animal e aplicação de substratos organominerais. O leque de produtos disponíveis em produção orgânica atrelado à ausência de alguns agroquímicos nos dão certa segurança nesse instante, apesar do cenário”, avalia.

Além disso, a Fazenda Bom Jardim Coffes tem como fornecedores de insumos outros países além da Rússia, como China, Marrocos e Canadá.

Limoeiro carregado em fazenda no interior de São Paulo

TV TEM

Brasil autossuficiente?

Diante da grande dependência brasileiras das exportações, muitas pessoas começaram a questionar se não seria o caso de o Brasil produzir seus próprios insumos, especialmente considerando que o país ocupa a 7ª posição de reservas de potássio no mundo.

Contudo, o professor da Unicamp explica que não é tão simples. “Uma possível exploração depende de muitas variáveis. Depende do tipo de rocha, da sua localização, da sua acessibilidade e, logicamente, da implantação de uma política nacional para o setor. O fato é que não vejo a possibilidade de total independência em curto prazo.”

Veja mais notícias do g1 Ribeirão Preto e Franca

VÍDEOS: Tudo sobre o agronegócio na região